No dia 26 de setembro de 1857, foi fundada a primeira escola para o ensino de pessoas surdas no Brasil. O projeto foi uma iniciativa de Dom Pedro II, juntamente com Ernest Huet, nascido na França em 1822. Huet ficou surdo em decorrência de sarampo, que contraiu aos 12 anos.
Atualmente, a instituição é conhecida como Instituto Nacional da Educação dos Surdos (INES) e cumpriu um papel fundamental no desenvolvimento da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e no desenvolvimento educacional e social de diversas pessoas com diferentes graus de deficiência auditiva.
Em homenagem ao INES e toda sua atuação ao longo de mais de 150 anos de história, em 2008, o dia 26 de setembro foi instituído como Dia Nacional do Surdo. Para comemorar a data, nós da Cripto Cultural elaboramos uma lista de recomendações de filmes que trazem narrativas que abordam pessoas surdas em posição de destaque.
No Ritmo do Coração (CODA) – 2021
No original “CODA”, ou child of deaf adults (filho de adultos surdos, em tradução livre), o filme traz o dia a dia de uma família composta inteiramente por pessoas surdas, ou quase. A protagonista Ruby, de 17 anos, é a única ouvinte de sua família e isso faz com que ela se torne responsável por quase toda a socialização da família com o resto do mundo, ao atuar como intérprete e auxiliar no comércio de seus pais.
O conflito parte do momento decisivo em que Ruby se encontra, ao ficar em dúvida entre ajudar os pais no negócio da família ou seguir seu sonho na música. O contraste entre momentos silenciosos preenchidos por língua de sinais e montagens musicais grandiosas, e sua mescla no último ato do filme, cria uma narrativa envolvente e apaixonante.
A presença constante da Língua de Sinais no filme e reconhecimento dela como um idioma próprio e único são um dos grandes destaques. Ao usar a ASL (Língua Americana de Sinais), o roteiro traz toda uma história com experiências cotidianas, verdadeiras e humoradas de pessoas surdas, sem ignorar seus desafios pessoais e características únicas.
O filme foi um dos queridinhos da Academia na temporada de 2021/22, sendo premiado no Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado. Além das premiações e reconhecimento da crítica, o longa se destaca dentro da comunidade surda pela representatividade verdadeira, com os pais e irmão de Ruby sendo interpretados por Troy Kotsur, Daniel Durant e Marlee Matlin, atores surdos que lutam ativamente pela sua comunidade.
Disponível na assinatura da HBO Max.
Um Lugar Silencioso (A Quiet Place) – 2018/2020
Um Lugar Silencioso, de John Krasinski, foi uma surpresa para todos em 2018. Com um orçamento limitado de apenas 17 milhões de dólares (dinheiro o bastante para mudar uma vida pra sempre, mas no cinema é troco de bala), o filme ambienta um pequeno núcleo familiar num mundo devastado por criaturas que caçam pelo som.
O brilho da trama se concentra em Regan, interpretada por Millicent Simmonds (outra atriz surda dessa lista), a filha impetuosa e desafiadora do casal protagonista. De certa forma, é através dos olhos dela que o espectador conhece o mundo da narrativa e desafia seus limites.
Curiosamente, é a existência de Regan que possibilitou à família sobreviver, e até certo ponto, prosperar no apocalipse. Por conta da surdez da personagem, toda a família já estava habituada a se comunicar de maneira não-verbal, o que facilitou para que eles fizessem planejamentos e se adaptassem ao novo mundo em que habitam.
Qualquer outro comentário seria um spoiler gigantesco, mas, querido leitor, entenda que todos os elogios são poucos para descrever esse filme, que conta com atuações de peso de John Krasinski, Emily Blunt e Noah Jupe, compondo um núcleo familiar crível e amável. O longa recebeu inúmeras indicações, inclusive de Melhor Edição de Som no Oscar.
O primeiro filme de 2018 foi solo fértil para uma franquia, que se desenvolveu em uma sequência, um spin off e um jogo. Apesar de possíveis comentários quanto a necessidade de tantos produtos de uma franquia em um espaço de tempo relativamente curto, todas as histórias abordam vivências de pessoas com diferentes questões relacionadas com sua saúde. A sequência continua a abordar a surdez de Regan, o spin off acompanhando uma paciente de câncer em tratamento paliativo e o jogo acompanhando uma personagem com problemas respiratórios crônicos.
Disponível na Paramount+.
Hush – A morte ouve (Hush) – 2016
Enquanto os filmes anteriores eram, em diferentes níveis, filmes mais densos, Hush é seu típico terror de shopping center feito pra causar alguns sustos e te deixar na beirada da cadeira. E, não me leve a mal, adoro um terror de shopping center, e ele faz isso muito bem.
Dirigido por Mike Flanagan (queridinho da Netflix responsável por: A Maldição da Residência Hill, A Maldição da Mansão Bly, A Queda da Casa Usher e Missa da Meia-Noite), o longa acompanha Maddie, uma escritora surda interpretada por Kate Siegel, que se depara com um homem mascarado invadindo sua casa isolada no mais absoluto nada.
O ponto de destaque da trama? A sensação de isolamento e total tensão apresentada pelo conflito, que só é potencializada pela esperteza de Maddie. Aqui, apesar do clichê, não acompanhamos uma clássica vítima protegida pelo acaso e roteiro. A personagem de Siegel é astuta, engenhosa e não tem medo de sujar as mãos, o que torna o filme um suspense intrigante com muita tensão e momentos positivos.
Diferente dos outros da lista, Kate é uma atriz ouvinte interpretando uma pessoa surda, o que gera muitos debates sobre representatividade e autenticidade do roteiro. Mantendo isso em mente, cabe ao espectador usar seu senso crítico para processar a obra e reconhecer suas problemáticas.
Assista gratuitamente na Plex.
The Sound of Metal (2019)
Voltando aos filmes aclamados e premiados, temos The Sound of Metal. De maneira semelhante à Coda, a trama aborda música e surdez, dessa vez na pele de Ruben Stone, um músico que esta perdendo a audição.
A repentina perda de audição faz com que o personagem, que já havia enfrentado questões como dependência química, tenha receio de perder suas duas grandes paixões: a música e sua namorada.
O longa recebeu o Oscar de Melhor Som e Melhor Montagem, com indicação em Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Roteiro Original. O lançamento em festivais e posterior lançamento comercial fizeram uma ótima campanha que lançou o filme a uma posição conceituada entre crítica e público.
Mais uma vez, o longa recebe muitas críticas por apresentar um ator ouvinte interpretando um personagem surdo. A produção do filme defende que o roteiro e toda a produção passaram por leitura sensível, e que a história pode ser um ótimo começo para introduzir pessoas leigas a diferentes questões na vida de surdos. No entanto, é válido reconhecer a problemática e a necessidade de mais pessoas surdas ocupando espaços na produção audiovisual.
Disponível no catálogo da Amazon Prime Video.
Apesar de nem todas as narrativas contarem com representatividade em sua melhor maneira, são produções que tentam retratar pessoas surdas em diferentes cenários, e lidando com isso das mais diversas formas. Com essa questão endereçada, é importante consumir narrativas sobre pessoas surdas, produzidas por pessoas surdas e cobrar a presença de pessoas com deficiência na produção artística e em diferentes áreas da sociedade. Os filmes listados são um ponto de partida, nem sempre os ideias, mas são um começo para sedimentar as diferentes vivências no cinema.
Com edição e supervisão de Jessica Allana Grossi.
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