Era quarta-feira. E, por um desses caprichos do destino, fui parar numa novena, um evento que frequento com a regularidade de uma estrela cadente.

O sol estava luminoso lá fora, com aquele brilho bonito que, confesso, é a minha única e rara motivação para abandonar o conforto do lar. Eu estava acomodada em um dos bancos da lateral, bem de frente para a fileira principal, o que, ironicamente, me fazia sentir duplamente exposta. Eu era a frequentadora mais enferrujada. As senhoras ao meu redor cantavam as preces com uma facilidade invejável, enquanto eu tentava acompanhar a letra com o desespero de uma figurante sem fala.

A confusão era óbvia: como é que só eu não sabia o que dizer? Parecia haver um código secreto. E então, eu o vi: um pequeno livro, amarronzado, nas mãos de todos. O guia essencial. Onde se adquire tal manual? A minha busca por este artefato fundamental foi tão intensa que, frustrada, acabei por desistir e focar no horizonte.

E foi aí que o vi.

No meio do mar de cabelos grisalhos e devoção, ele surgiu. O jovem mais interessante em um raio de quilômetros, dedicado a preces numa tarde de semana. Pensei, com uma rapidez alarmante: “Finalmente, um cavalheiro que passa no primeiro crivo!” Alguém com jeito certinho e presença marcante na mesma pessoa. Tão rara visão!

Minha preocupação de repente deixou de ser espiritual e virou puramente investigativa. Será que estava comprometido? Analisei as mãos com a discrição de um atirador de elite avaliando o alvo. Nenhum anel. Na direita, nem na esquerda. Que alívio! Disponível e, aparentemente, com o foco onde deve estar.

A oração terminou. E a minha missão, então, começou.

Saímos todos e, claro, ele tomou o rumo da confeitaria vizinha(o famoso refúgio das senhorinhas pós-novena). Segui-o, mas fui tragada por uma crise de incompetência social. Meu repertório se esvaziou: como se aproxima um indivíduo de interesse sem a intermediação de uma tela? A paquera moderna, para minha desventura, exige um algoritmo social que eu, francamente, nunca desenvolvi. Não sei flertar, não sei puxar um assunto que não envolva o clima ou o último livro lido. A timidez, que disfarço tão bem por escrito, transformou-se num manto de silêncio constrangedor. Eu fiquei a uma distância estratégica dele. Era evidente que a minha estratégia de conquista se resumia a segui-lo em ambientes de alto consumo calórico.

Ele entrou na fila. Um metro nos separava, e a minha mente estava vazia de ideias.

“O que a senhorita sugere que eu peça?” perguntei à atendente, soando mais aflita do que uma cliente deveria.

“A torta de goiabada. É uma das nossas melhores”, ela respondeu, sorrindo.

Foi o meu golpe de misericórdia. Notei, com o coração apertado, que o Cavalheiro Religioso e misterioso recebeu seu pedido embalado para viagem. O fim súbito de uma esperança que mal teve tempo de nascer.

Sentei-me, resignada. “Pelo menos a torta há de ser maravilhosa, certamente.”, consolei-me. Provei.

A torta era tão sem graça quanto a minha mímica de oração. A massa seca, sem gosto, era a personificação da decepção. Mas eu tinha que comer. Afinal, paguei caro por ela. Paguei pelo sol, pelo constrangimento na igreja e pela visão de que, mesmo em lugares de fé, a busca por um pretendente decente pode terminar com um gosto insípido.

Nunca mais o vi. E, honestamente, aquela torta de goiabada acabou sendo um investimento caríssimo na minha coleção de frustrações.


Lady Edel Autrefois é o pseudônimo, ou seja, é um nome fictício de uma escritora ponta-grossense que quer permanecer incógnita para ter mais liberdade literária. Por isso, vamos preservá-la até que ela queira. Lady Edel é autora e poeta, interessada em compreender e expressar as muitas camadas do sentir humano. Sua escrita nasce da observação do cotidiano e do desejo de transformar emoções em palavras.