Por Maria Fernanda de Lima
Em Junho de 1999 fazia uma semana de extremo calor nos EUA, muito parecida com a que estamos vivendo agora no Brasil. Temperatura média: 37º Celsius. Não era um bom momento para juntar 400 mil pessoas em um único lugar. Mas para Michael Lang e sua equipe de co-organizadores isso pouco importava: eles iam vender um dos maiores festivais das últimas décadas, o Woodstock 99, em comemoração aos 30 anos da edição original do Festival, ocorrida em 1969.
Infelizmente, o Woodstock 99 se perdeu no caminho e não conseguiu transmitir a “paz e harmonia” prometida na sua primeira edição. O Festival entregou apenas caos, violência e drogas. A Netflix, através do documentário “Fiasco Total: Woodstock ’99”, lançado em 2022, mostra por meio de imagens da época e entrevistas a receita para o desastre do evento. A série documental, composta por três episódios, traz depoimentos de artistas, equipe de produção e espectadores que estiveram presentes no Woodstock ’99. Um dos principais pontos explorados é como um evento que deveria celebrar a música e a comunhão se transformou em um caldeirão de violência. A começar pela visão comercial.
Enquanto o Woodstock 69 tinha sido realizado em uma fazenda, em contato com a natureza, tendo acesso fácil à comida e água compartilhada, a edição de 99 era realizada em uma antiga base militar sem nenhuma infraestrutura, onde os preços de alimentação e bebidas eram exorbitantes, não havia sombra e o lixo e esgoto dos três dias iam se acumulando no decorrer do Festival.
Outro problema eram as performances. diferentemente da primeira edição, os organizadores do Festival de 99 tinham o objetivo maior de lucrar do que de celebrar e preservar a essência do movimento, por isso sua infraestrutura era precária e por isso também foram incluídas na programação atrações com uma pegada diferente do que o Woodstock propunha. Muitas das bandas presentes no Festival, como Korn, Limp Bizkit, Rage Against the Machine e Kid Rock, eram conhecidas por suas músicas pesadas e performances enérgicas. Algumas músicas incluíam palavrões e linguagem agressiva, o que não era típico das músicas do Woodstock original. Durante a performance do Limp Bizkit, houve relatos de tumultos e vandalismo e em outros momentos de shows também alguns participantes se envolveram em mosh pits (rodas de choque) violentos e outros comportamentos agressivos, incitados por artistas.
Diversos outros elementos contribuíram para a atmosfera negativa que pairou sobre o Festival. Mas sem dúvidas, o abuso de drogas e álcool era o principal. Não havia nenhum tipo de fiscalização e até mesmo membros da organização revelaram o uso de substâncias ilícitas que faziam virar durante as baladas com DJs a madrugada toda.
E para completar a receita do caos, houve as atividades sexuais explícitas e públicas durante todo o evento. Muitas mulheres praticando nudismo tinham seus seios tocados por estranhos. A privacidade era mínima. Sexo coletivo, estupros e lascividade estavam presentes nos três dias de show, o que pode ter contribuído para a sensação de desordem e falta de controle.Testemunhas denunciaram que uma garota foi estuprada por dezenas de homens em plena vista da multidão, assim como ocorreu durante o show do Korn. Quatro mulheres foram vítimas desses crimes brutais.
O saldo final foi de 44 pessoas foram presas, a maioria por posse de drogas, além de relatos de vandalismo, estupros e uma morte decorrente de hipertermia e insalubridade (desidratação, calor e falta de acesso à água). Mais de mil pessoas precisaram de atendimento médico devido às condições precárias e ao comportamento violento. Durante a apresentação do Red Hot Chili Peppers, no último dia, o público usou velas para incendiar o local do Festival, resultando em inúmeros focos de incêndio.
O Woodstock ’99 se tornou um símbolo dos excessos e ganância. A busca ilimitada por dinheiro, vendas prazer, sem pensar nas consequências. Sem perceber, já haviam se distanciado do propósito de fraternidade do Woodstock original, ainda que este também tivesse tido problemas- como a venda ilegal de drogas, inclusive. Mas a diferença sempre esteve no objetivo por trás de cada um. Um era sobre uma geração cansada de guerra e buscando paz. O outro era uma geração cheia de tudo e buscando mais. No fim, sabemos qual contribuiu mais para a arte e música mundial.
Maria Fernanda é jornalista formada pela UEPG e atua há três anos como Copywriter, já tendo passado por diversos segmentos do marketing. Cursando Licenciatura em Letras, ela é também voluntária em ocupações catequéticas, através das quais utiliza do espaço de ensino para perpetuar valores de ética, filosofia e moral. Para promoção de conhecimento, entreterimento e desenvolvimento pessoal, investe na escrita independente de reportagens e romances.
Adorei o texto acima, da Maria Fernanda, sobre Woodstock. Inclusive o repliquei, com recortes, no meu blog. Disponível em: https://amartb.blogspot.com/2023/12/woodstock-99-30-anos-atras-do-69.html. Parabéns aos responsáveis pelo projeto, e a Autora pelo sensível e belíssimo texto.
At.te
Antonio Marques.