RESUMO: A Cripto conversou com atores de várias cidades do Paraná para descobrir. Há diferenças na atuação dos produtores de teatro no interior e na capital principalmente no que se refere a estrutura econômica, políticas públicas e formação acadêmica. Também discutimos o papel da Lei Rouanet e dos Editais da Secretaria do Estado do Paraná.

Festivais, apresentações, agendas de alugueis de teatro lotadas, atrizes e atores vivendo intensamente apresentando mais de quatro peças diferentes no mesmo mês. Essa é a realidade de hoje no teatro do Paraná. Só no Estado, existem 87 teatros que podem ser públicos, privados, vinculados a escolas ou universidades. E há agenda para sustentar todos esses espaços. 

Teatro no Interior x Teatro na capital 

Produtores, atores e atrizes concordam que realizar uma peça no interior é diferente do que na capital, até pelas suas dinâmicas. Juliana Cordeiro é Produtora Cultural, atriz e arte educadora no Paraná. Ela conta que cresceu no interior do Estado em Arapoti e aos 12 anos o interesse pelo teatro surgiu, mesmo sem nunca ter entrado em um teatro na vida. Aos 15, a atriz se mudou sozinha para Curitiba em busca do sonho de se tornar atriz, com o apoio da sua família. É em Curitiba que estão localizadas as Universidades e Faculdades de Teatro como a PUC, Unespar e a UFPR. Além da imigração em massa dos nossos atores do interior, há o prestígio de se morar em uma capital. 

A atriz, durante estes anos, participou de oficinas nas áreas de técnica de manipulação de objetos, sombras, mímica, máscaras, escrita criativa e outras. Em 2024 voltou para Arapoti e iniciou o projeto ‘O Pomar – Festival de Teatro de Arapoti’. Neste ano, o Festival contemplou escolas e a comunidade geral, privilegiando lugares públicos e espaços abertos e periféricos.  “Além de promovermos duas atividades formativas, oficinas teatrais que foram direcionadas para os alunos em formação no magistério.” A programação contou com 11 apresentações e 2 oficinas teatrais e ela conta que “no total conseguimos alcançar um público de aproximadamente 3000 pessoas”. 

Juliana Cordeiro observa que há um “abismo entre a capital e grandes polos comparado a cidades menores como Arapoti”. Os principais pontos destacados são: falta de equipamentos, profissionais capacitados, menos cursos de capacitação na área, falta de estruturação nas políticas públicas para o setor. “Embora haja uma luz com a PNAB e o movimento cultural atual, vejo a necessidade de um olhar mais atento às pequenas cidades”.  Juliana espera que os jovens que desejam cursar teatro não precisem ir buscar especialização até Curitiba, como ela fez. “Porque sim! Se a vida na capital para um artista é difícil, não dá nem pra imaginar no interior “, ressalta. 

Juliana relembra que o edital do PROFICE – Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura do Paraná, que atua por meio da renúncia fiscal de ICMS, para a área teatral e outras áreas, demorou 2 anos para lançar um resultado final. “Isso pra mim é inexplicável”. A atriz e produtora analisa como os recursos poderiam ser descentralizados. 

Edital Multiartes de Teatro da PNAB no Estado e Lei Rouanet 

No ano passado, a Cripto esteve presente na audiência pública que aconteceu em Ponta Grossa para tratar sobre a PNAB nos Campos Gerais.  Nesta audiência, foi apresentado os editais regionais, conhecidos por Editais das Macrorregiões, assim cidades menores não precisariam competir com a capital como era realizado até o momento. Entende-se que Curitiba, devido a possibilidade estrutural de formação, técnica e também através das dinâmicas, contendo mais grupos e aparelhos de teatro, conseguia mais recursos, deixando as cidades menores desassistidas. Como solução, a Secretaria Estadual de Cultura (SEEC) apresentou os editais de Macrorregiões, os quais os artistas concordaram em Oitivas realizadas no Estado que seria uma opção melhor do que já vinha sendo feito. Porém, com os resultados neste ano de 2025, Juliana Cordeiro notou uma discrepância nos resultados da Macrorregião dos Campos Gerais. “Questionei inclusive em um ciclo de conversas proposto pela SEEC, após ver que o resultado do [edital de] multiáreas da região dos Campos Gerais concentrou os recursos na cidade pólo de Ponta Grossa.” Ela ressalta que o objetivo não é criar uma rivalidade e sim notar que as cidades menores que compreendem a região dos Campos Gerais ainda continuam desassistidas neste formato. “Como comparar um currículo de um artista daqui com um de lá? Como podemos organizar esses editais de uma forma que esses recursos sejam descentralizados dentro de cada macrorregião também?  Como o estado pode contribuir diretamente com recursos para essas cidades menores? São questões que precisamos pensar.”

O Edital 001/2024 – Fomento – Multiartes da Política Nacional Aldir Blanc contemplou o teatro e demais áreas artísticas. Só na Macrorregião dos Campos Gerais no primeiro lote de premiação é possível, mesmo que não conste a cidade por escrito, 19 nomes conhecidos da cidade de Ponta Grossa entre os 23 habilitados. Este é um problema que precisará ser discutido nas próximas Oitivas que acontecerão nos próximos anos. 

Nataly Lima, que também já trabalhou teatro em cidades menores do que Ponta Grossa, aborda a dificuldade de se acessar os recursos da Lei Rouanet. “A Lei Rouanet, para as artes em geral, sempre valorizou os grandes artistas. Era muito difícil ter um projeto aprovado via Lei Rouanet e ainda hoje, quando se tem uma aprovação há uma disputa na captação. Quem é melhor para uma empresa destinar recursos? Para o grande artista já conhecido que trará muita visibilidade para a empresa, ou para um projeto de teatro de pessoas desconhecidas no Paraná?”. A Lei Rouanet é uma lei Federal que visa distribuir recursos doados de Impostos de Renda de empresas e pessoas físicas a projetos culturais. 

 Como alternativa, Nataly começou a empreender dentro da arte. Hoje, ela consegue viver da renda que o teatro proporciona e de outras áreas. A atriz e produtora é fundadora do projeto Transformarte, criado em 2014 e que já atuou em diversas cidades dos Campos Gerais. Além do ensino de teatro, o projeto agrega a dança, audiovisual e o canto em suas aulas. O projeto não é totalmente gratuito pois atende 60% dos alunos de forma gratuita e conta com tarifas sociais para contribuir com a manutenção do grupo.

A profissão no Teatro

Assim como diversos criativos, o trabalho dos atores está regulamentado através da Lei nº 6.533, em vigência desde 1978. A exigência de diploma de curso superior em Teatro ou atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato ou Delegacia Regional de Trabalho (DRT). Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, através do relatório de Registro Profissional de janeiro de 2015 a setembro de 2024, foram emitidos 14.849 DRT’s de Técnico em espetáculo de diversão e 67.220 DRT’s de Artistas, que podem englobar os atores. Só em 2024, foram emitidos 1.227 DRT’s de Técnico em espetáculo de diversão e 5.493 de Artistas. 

É preciso entrar em contato com o Sindicato para conseguir a DRT quando você não tem formação superior ou técnica na área exigida pois os profissionais passam por banca do SATED, segundo informações da representante da Diretoria do SATED PR, Maia Piva, da macrorregião Oeste e membro da Banca de atores e atrizes. Muitos artistas entrem em contato com o Sindicato para pedir orientações e se organizarem como classe. Há também a possibilidade de entrar com o processo através do Ministério do Trabalho e Emprego através do sistema SIRPWEB. Cabe ao Sindicato o poder consultivo, neste processo, caso o artista já possua as qualificações formais necessárias (formação formal). O DRT é importante para os artistas de forma geral, mas principalmente para os atores porque possibilita que eles tenham direitos trabalhistas já que a Lei nº 6.533 em seu artigo 35 estabelece que “Aplicam-se aos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões as normas da legislação do trabalho, exceto naquilo que for regulado de forma diferente nesta Lei.”

Gabriel Ipolito, ator na cidade de Ponta Grossa, conta que começou a ver o teatro como uma profissão após participar de projetos e conhecer a classe artística na cidade. Atualmente ele faz parte da Cia LevAr-Te, desde 2023. “Integrar um coletivo é muito importante porque o teatro é coletivo por essência”. Para ele, um grupo é um espaço para aprender, crescer enquanto artista e enquanto pessoa, e também evoluir profissionalmente. 

Mas Gabriel conta que uma das principais dificuldades é a pouca diversidade de possibilidades de financiamento. A maior parte dos projetos da Cia LevAr-Te é realizado de forma independente, ou seja, o coletivo realiza todas as etapas de produção, ensaia, apresenta, vende as entradas e depois fica com o lucro, se houver. “Ao começar um projeto de forma independente, você raramente sabe se vai ter o orçamento que precisa para produção que se pretende fazer.” conta o ator. Para ele, existe pouco apoio privado e o financiamento público, ainda que muito importante, é limitado. “Tirar projetos do papel e remunerar todos os artistas e profissionais envolvidos é sempre um desafio.” Neste ano, a Cia LevAr-Te realizou duas produções. Além de aulas de teatro, o coletivo também tem aulas de canto. 

Teatro em Ponta Grossa

Na cidade de Ponta Grossa, com mais de 300 mil habitantes, podemos encontrar formação, capacitação e apresentações de teatro o ano todo. A Secretaria Municipal de Cultura mantém, desde 2018, o Grupo de Teatro Cidade de Ponta Grossa (GTPG) que foi instituído através da Lei Nº 13.123, de abril de 2018. Ele agrega bolsistas que recebem para aprender e atuar na cidade de Ponta Grossa. Já o Grupo de Teatro Científico (GTC) ou GTU (Grupo de Teatro Universitário) que foi retomado em 2022, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, funciona como um grande projeto de extensão multidisciplinar.  Há 8 centros vinculados à educação e estudos sobre teatros na cidade de Ponta Grossa, ou seja, escolas de teatro privadas, colégios e Universidades. Na cidade há 6 coletivos e grupos de atores, que se reuniram para fazer suas peças. 

A Conselheira Municipal de Cultura pela cadeira de Teatro até maio de 2025, Ana Cláudia Gambassi, além de ter uma história desde a infância com a arte de representar, diz que iniciou suas apresentações na Universidade. Ela conta que são mais de 40 anos e nessas indas e vindas, participando de grupos de teatros, ela integrou o GTPG. “É um grupo mantido pelo poder público, pelo compromisso de levar a arte teatral, gratuitamente, ao maior número possível de pessoas. Essa é uma ação que contribui, não só para a formação de plateias, mas principalmente, para o desenvolvimento da cidadania, o que é uma das missões da cultura.” relata. 

Neste ano, o teatro da cidade de Ponta Grossa ganhou algumas premiações, o GTU (ou GTC) da UEPG foi o grande vencedor do 7º Festival Internacional de Teatro Uruguaianense, realizado em maio de 2025 em Uruguaiana (RS). Com o espetáculo Coração em Chagas, o grupo conquistou 7 prêmios, incluindo o de Melhor Espetáculo, entre 12 indicações no total. 

O GTC já soma 15 prêmios e 24 indicações em festivais desde sua retomada em 2022. Daniel Frances, Diretor do Grupo de 1981 até 1985, conta que era uma tradição o grupo encerrar o Festival Nacional de Teatro (FENATA). Com a retomada em 2022, Daniel voltou ao grupo em 2023 com uma nova realidade. Para este ano, o GTU tem apresentações marcadas.