Não há necessidade de iniciar esse perfil com um lead, mas eu estava tentando evitar começar pela descrição de uma coletiva de imprensa direcionada a acadêmicos de jornalismo. Penso que, a maioria das pessoas não se interessa de fato em saber como ela funciona para os alunos e como deve ser tensa para o entrevistado, que se vê na frente de 15 a 20 pessoas ávidas por informações (neste caso, cinematográficas).
Fui convidada por um professor da Instituição, que conhece o Cripto, a ingressar no grupo já na coletiva de imprensa e eu fui até lá sedenta por informações cinematográficas sobre o filme “Nem Toda História de Amor Acaba em Morte” do roteirista e diretor Bruno Costa, de Curitiba. O lançamento em junho deste filme me forneceu alguns critérios que, eu imagino, não interessam a ninguém que não sejam de jornalismo.
O filme trata de temas que só quem faz cinema independente consegue colocar nas telonas. Com uma personagem bissexual de 50 anos que não gosta muito de rótulos e a primeira protagonista surda, poderiamos esperar um daqueles filmes melodramaticos, com base no sofrimento LGBTQIA+ e no sofrimento de ser surda. Mas o que encontramos no filme é uma preocupação em retratar pessoas reais, vivendo suas vidas em uma sociedade que muitas vezes não foi preparada para minorias. Não é atoa que é uma comédia bem humorada, combinando com o título do filme.
O filme “Nem Toda História de Amor Acaba em Morte” ganhou o Troféu Calunga, durante o CINE – PE Festival Audiovisual, mais conhecido como Festival do Recife no dia 15 de junho.
Além de Recife, o filme também foi apresentado no Olhar de Cinema, o Festival de Curitiba, e dizem que recebeu boas críticas. A cereja no bolo foi a premiação no Festival mais importante do cinema LGBTQIA+ no Brasil, a 14ª edição Rio LGBTQIA+. Na cerimônia, a obra cinematográfica “Nem Toda História de Amor Acaba em Morte” ganhou o Prêmio de Melhor Filme pelo voto popular. O filme irá para as telonas em 2026.
Mas esses detalhes eu soube há poucos dias atrás. No dia da coletiva de imprensa com o Bruno Costa eu estava investigando sobre o que se tratava o filme já que só havia visto teasers e releases na internet.
A ideia, para o diretor Bruno Costa, demorou a chegar. Entre o processo de desenvolvimento do roteiro e até a finalização das gravações, decorreram 10 anos. Ainda deu na trave em alguns editais, segundo o diretor.
Para o diretor, o que havia primeiro em sua mente era o local das gravações, o que foge um pouco do tradicional. Ele preparou um roteiro para filmar em uma locação muito específica em Curitiba. Em determinado momento, topou com Gabriela Grigolom que é multiartista, poeta, slammer, atriz, diretora teatral, bacharel em artes cênicas pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). Então, o diretor, que também é o roteirista do filme, pensou em incorporar uma protagonista atriz surda, assim como Gabriela Grigolom que é surda.
“Eu não tinha contato com a comunidade surda. Tive que aprender, comecei a estudar libras, contratamos um intérprete de libras para o set de filmagens e comecei a frequentar os espaços de pessoas surdas.” Ao frequentar esses espaços, Bruno conheceu um grupo de teatro em Curitiba de surdos e pensou em incorporar 10 a 15 atores de teatros surdos no filme.
É neste ponto da coletiva de imprensa que eu perguntei. Como fazer um filme tão bacana e representativo chegar na parcela da população surda que já é tão sub-representada no cinema? Se é importante incluir os atores surdos também é importante que eles se vejam nas telas porque a acessibilidade também se dá por se ver representado. Bruno disse que essa é uma das maiores preocupações no quesito de recepção do filme. “A nossa janela de libras não é apenas aquela pessoa vestida de tons neutros em um canto da tela. São pessoas surdas que fazem nossas janelas de libras e elas são intérpretes, há uma escolha por roupas parecidas e pessoas parecidas com os atores, também fazendo com que se gerem empregos para os surdos. Muitas vezes há todo um cuidado com o figurino dos atores e por que não teremos o mesmo cuidado com os intérpretes de libras, que são aqueles que a população surda irá ver no filme, não é?” comenta.
Porém, para o diretor e roteirista, o grande desafio mesmo é atrair o público surdo. “Os aplicativos de tradução são péssimos, quando há filmes com esses aplicativos. É um aplicativo no celular em que você lê o que está acontecendo no filme. Aí a pessoa surda tem que olhar para o filme e para a tela. Também ficamos preocupados com a resistência das pessoas que não são surdas, principalmente no que se refere às nossas legendas descritivas para passar com as legendas” explica o diretor. A legenda descritiva utilizada no filme “Nem Toda História de Amor Acaba em Morte” foi feita por um estúdio de produção cultural surda chamado Fluindo Libras.
Sobre Bruno Costa
Formado em cinema pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar), atua na área desde 2004 como roteirista, diretor e produtor. Além do seu lançamento, Bruno Costa abordou sua carreira, seu começo no cinema e seu trabalho com a produção de alguns episódios da série Cidade de Deus, da HBO.
Na prática, o cinema independente e uma grande produção da HBO são iguais. Você precisa ter um roteiro, locações, atores, figurinos, um orçamento, uma equipe composta por um diretor, assistente de direção e cinegrafistas… e é claro, os registros de direitos autorais, tanto das músicas quanto da obra que terá que ser registrada depois de pronta. A diferença primordial para uma produção independente e uma grande produção de estúdio com certeza é o orçamento, já que o trabalho é o mesmo. Bruno Costa nunca trabalhou em uma produção tão grande. “Em produções independentes você não tem equipamento de ponta, não tem o cast dos sonhos.” Se você é diretor de cinema deve ter um ator ou atriz dos sonhos para um roteiro que está escrevendo. Com um grande estúdio por trás, talvez você consiga escalar essa equipe.
O ritmo de produção também é diferente. O contrato de diretor do Bruno era em escala 5×2. Ele passou 4 meses filmando a maior parte das cenas em São Paulo e algumas no Rio de Janeiro junto com o diretor Aly Muritiba.
A área de streaming está fazendo com que muitos profissionais da área do audiovisual se mudem para São Paulo e Rio de Janeiro, que é onde os estúdios grandes ficam. O mercado audiovisual independente não tem cachê para competir com os salários do streaming.
E de modo geral, Bruno Costa não vê uma melhora no cenário de produção fora do eixo Rio-São Paulo. “As políticas públicas são instáveis. Quem sai do Estado está em busca de oportunidades”.
Um pouco da oficina de direção para o cinema
Bruno Costa começou a oficina dizendo “Não tenha medo. Não é fácil. Estudem. Na Universidade de Cinema é que se formam as primeiras produtoras de cinema e hoje estão aí, produzindo bastante.” Ele enfatizou a necessidade da formação formal, em um ambiente Universitário, não por elitismo e sim pelos contatos e aprendizados. É nas aulas que você aprende questões técnicas, éticas e abre seus campos de visão.
O diretor também mostrou outros caminhos alternativos para aqueles que desejam trilhar os caminhos do cinema independente. Há editais Federais, Estaduais e Municipais onde você consegue recursos para fazer seu filme. Basta apenas que você tenha uma equipe (essa você consegue na Universidade ou com conhecidos) e um roteiro. Inclusive, foi o edital da Lei Paulo Gustavo que possibilitou com que Bruno viesse de Curitiba e conseguisse ministrar a oficina aos alunos.
Para criar um projeto, Bruno destaca que é necessário reunir suas inspirações e os temas que te interessam. “Se pergunte como essa ideia te toca, se essa questão for importante para você, ela vai ser importante para o público.”
Sobre a direção, o diretor declara que “Dirigir é uma busca infinita pelo conhecimento, expressar suas ideias através de imagens e movimentos.” Ele relembra que a curiosidade e inquietude sobre a vida é o que move os diretores. “O cinema demora a ser feito, você gasta muito tempo pensando, escrevendo, vendo referências. Filmar é uma pequena fatia do processo. Encarar a rotina como estimulante e ter persistência. Essa é uma característica importante para todas as artes.” Também é necessário saber ouvir a equipe, principalmente os apontamentos dos atores e saber lidar bem com a frustração.
Além das dicas de como ser diretor, Bruno Costa também falou sobre o trabalho de Assistente de direção e como alguns pensam que as duas funções podem ser realizadas pela mesma pessoa. Mas ele explicou que é, na verdade, uma função extremamente importante e estrutural do set. “O Assistente sabe tudo o que está acontecendo no set de filmagem, desde a produção até os atores, coordenando tudo, é uma função complexa de muita responsabilidade.”
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