OPINIÃO: Zoom 100: Bucket List of the Dead: conteúdos de ficção violentos são na verdade uma fuga da vida real?

Coluna de jornalismo opinativo A Cultura de Violência sob novos olhares de Maria Fernanda de Lima

“Zoom 100: Bucket List of the Dead” série japonesa de anime, lançada ano passado na Netflix, apesar de parecer apenas uma comédia adolescente, aborda questões sérias da sociedade japonesa, especialmente exploração e violência no trabalho. A história segue Akira, um recém-formado que está preso há três anos em um emprego antiético que gera no personagem uma síndrome de Burnout, transformando-o em praticamente um “funcionário zumbi”. Todos os efeitos do anime colaboram para essa impressão, como a paleta de cores cinza, o olhar vidrado e as olheiras de Akira e seu modo cambaleante de andar.

Nesse ponto, o anime faz um paralelo genial ao mostrar como Akira, tão imerso em sua vida de trabalho, não percebe um apocalipse zumbi real acontecendo. Ao acordar em mais uma manhã de sua rotina opressora, ele precisa enfrentar os mortos-vivos em seu prédio, e assim se dá conta de que, graças ao apocalipse Zumbi, ele não vai  precisar trabalhar nunca mais. Akira recebe a situação com alegria, trazendo de volta cores à sua vida (saímos da paleta cinza do anime) e fazendo-o sentir-se verdadeiramente vivo. O que fica subentendido é que a violência psicológica que o personagem vinha sofrendo era tão grande que, para ele, ter que conviver com zumbis e com a ameaça de morte constante não era absolutamente nada comparado à sua antiga realidade.

Protagonista de Zom 100: antes, durante o trabalho, depois, quando descobre o Apocalipse Zumbi. Imagem: Maria Fernanda de Lima

O anime retrata um problema muito comum e que tem até nome no Japão: karoshi (que significa, morrer de tanto trabalhar). No ano de 2017, o governo japonês reconheceu 236 casos de karoshi. Eles são predominantemente atribuídos a doenças cardíacas e mentais relacionadas às extensas horas de trabalho. Paralelamente, 208 suicídios foram oficialmente classificados como karojisatsus, indicando que trabalhadores tiraram suas próprias vidas devido a problemas mentais, muitas vezes associados às experiências no ambiente profissional. Desde os anos 1960, o país vem registrando casos de karoshi, mostrando que isso não é um problema recente para sociedade japonesa (e nem para o mundo, na verdade).

A grande questão com tudo isso que o anim Zoom 100 traz é: Akira é o único que está se refugiando em um mundo de violência?  Os filmes e séries de zumbis, podcasts de True Crime, documentários e produções de serials killelrs são alguns exemplos de conteúdos muito violentos que são amplamente consumidos e fazem grande sucesso. E apesar de muitos deles terem classificação +18 (não por conterem cenas de sexo, mas sim pelo nível de violência ser muito forte) poucas pessoas se impressisonam com as cenas pertubadoras de morte e agressão.

Talvez seja pelo mesmo motivo do personagem de Zoom 100: ver tudo isso se tornou quase banal comparado ao fato de que as violências estão o tempo todo em nosso dia a dia, seja na família, no trânsito, em relacionamentos, nas escolas ou mesmo, também, no  trabalho. Estamos muito acostumados com a violência em nossa rotina, em nossos bairros, em nossas cidades, de forma que, assistir ainda mais violência se tornou fuga, prazer e entretenimento.

Isso geraria um  ciclo vicioso? Se a violência está no nosso dia a dia, nos nossos jornais e no nosso entretenimento, quanto tempo vai demorar para ela também ganhar espaço em nós?


Maria Fernanda é jornalista formada pela UEPG e atua há quatro anos como Copywriter, já tendo passado por diversos segmentos do marketing. Cursando Licenciatura em Letras, ela é também voluntária em ocupações catequéticas, através das quais utiliza do espaço de ensino para perpetuar valores de ética, filosofia e moral. Para promoção de conhecimento, entreterimento e desenvolvimento pessoal, investe na escrita independente de reportagens e romances.