Dedicatória do primeiro livro de Emília Dantas Ribas.

Conheça a primeira romancista dos Campos Gerais, Emília Dantas Ribas 

A professora alegre, escritora criteriosa e o pilar da família Dantas publicou o primeiro romance em 1949

“Quando eu me for, um dia, 

de mim que restará?”

Trecho do poema Um só de Emília Dantas Ribas encontrado no livro Vozes de Emília

Ao ler a obra Vozes de Emília, encontramos de fato as múltiplas vozes de Emília. A professora, diretora, intelectual e escritora, Emília Dantas Ribas (falecida em 1978), deixou uma extensa obra publicada, seja em poemas, artigos opinativos sobre o voto feminino e a educação. Trechos e textos da autora podem ser encontrados no livro Vozes de Emília publicado durante as comemorações do bicentenário da cidade de Ponta Grossa através do edital do Fundo Municipal de Cultura (011/2023) com o incentivo da Secretaria Municipal de Cultura de Ponta Grossa. 

Os autores contam que o feedback da obra foi positivo, principalmente daqueles que conheceram a Emília Dantas Ribas. O idealizador do projeto, Jefferson Mainardes, descreve a biografia publicada de Emília como “completa e detalhista, é o que toda biografia deveria ser”. 

No dia 3 de maio, às 15hrs, Jefferson Mainardes e Luísa Cristina dos Santos Fontes farão uma palestra sobre a Emília Dantas Ribas em um dos locais que ela mesma participou ativamente em sua época, a Academia Feminina de Letras do Paraná. O evento, que vai acontecer no Centro Paranaense Feminino de Cultura, é gratuito e direcionado às acadêmicas e também ao público geral. 

O começo da pesquisa 

Jefferson Mainardes, pesquisador e escritor, falou sobre a ideia da obra. Ele e Luísa Cristina dos Santos Fontes reuniram outros pesquisadores e também fizeram a pesquisa do material publicado de Emília Dantas Ribas. “Quando criança, ganhei um livro que seria descartado da Zilah de Grácia e o prefácio foi escrito pela Emília Dantas Ribas”. Jefferson conta que nunca esqueceu aquele momento, porém, como tudo na vida, precisava de um sincronismo para surgir de fato a pesquisa.  “Em 2019, a Editora da UEPG lançou um livro da Judith Dantas Pimentel chamado de ‘Numa Pequena Cidade do Grande Mundo’ e eu descobri que as duas eram irmãs.”

A busca pelo livro de Judith Dantas Pimentel resultou no contato de Jefferson Mainardes com os parentes das irmãs que ainda estavam vivos. Em contato com a sobrinha-neta de Judith, Jefferson conseguiu um exemplar do livro de Emília Dantas Ribas chamado ‘A Primavera Voltará’. Ele esclareceu que a Emília Dantas Ribas é a primeira romancista dos Campos Gerais que temos conhecimento. 

Mas a busca não parou por aí, Jefferson achou dois exemplares do livro ‘A Primavera Voltará’ no sebo. Um deles, presenteou sua amiga Luísa e disse a ela que eles precisavam escrever algo sobre Emília. Em 2019, os dois começaram a pesquisa dos materiais publicados de Emília. “Apareciam textos dela em todos os lugares. Eram poesias, crônicas, ensaios, artigos de opinião, artigos sobre educação e até o voto feminino”, relembra. Os pesquisadores contam que Emília já publicou em veículos do Rio de Janeiro, em Curitiba e Ponta Grossa. 

Luísa e Jefferson relembram que o lançamento do livro ‘As Vozes de Emília’ é muito significativo para os 200 anos de Ponta Grossa. “Este material de pesquisa está disponível para que outras mulheres pesquisadoras o consultem e conheçam a Emília Dantas Ribas. É muito importante destacar, não só a história da Emília, mas de todas as mulheres dos Campos Gerais.”

Luísa Cristina dos Santos Fontes e Jefferson Mainardes com os livros A Primavera Voltará e Vozes de Emília. Foto: Jessica Allana Grossi

A escrita feminina nos Campos Gerais 

Por que Emília Dantas Ribas é a primeira romancista que temos conhecimento? A escritora e pesquisadora Luísa Cristina dos Santos Fontes relembra que quando se trata de literatura feminina é sempre assim. “É difícil saber de fato qual foi o primeiro livro já que temos o conhecimento das obras muitos anos depois.” Além da divulgação das obras na época, que eram produzidas em pequenas quantidades e às vezes entregues só para os membros da família, as mulheres escreviam para si e não chegavam a publicar. 

Luísa, assim como Jefferson, leu o romance ‘A Primavera Voltará’ e observa que a obra de Emília retrata o papel da mulher. “De certa forma, é comovente ver, já naquela época, o que Emília Dantas Ribas escreveu sobre o papel da mulher em um romance ambientado nos Campos Gerais.” A pesquisadora, que dedica a sua vida a pesquisar escritoras femininas, principalmente do Paraná, argumenta que  a publicação de A Primavera Voltará demonstra que já no século XX existia sim literatura feminina nos Campos Gerais.” Luísa chegou a escrever uma crônica do momento em que viu o livro ‘A Primavera Voltará’ nas estantes do projeto Pegaí. Ela conta que o livro foi restaurado pelo projeto. 

O pesquisador Jefferson Mainardes relembra que aqui nos Campos Gerais não temos só a Emília Dantas Ribas. Há outras mulheres de expressividade no campo cultural, na educação e também na literatura. “Temos outras mulheres como a Judith Silveira, Júlia Wanderley, Otacilia Oliveira que nomeia uma escola em Uvaranas, Balbina Branco. Todas essas mulheres da cidade tinham altas habilidades intelectuais e é nosso dever lembrar delas “, destaca. Porém, Luísa Cristina dos Santos Fontes lembra que a realidade é que o nome e a história dessas e de tantas outras mulheres caiam no esquecimento. “É claro que o livro da Emília apresentou uma ótima repercussão para a época, mas veja só, eu mesma demorei anos para conhecê-la” declara a pesquisadora. Jefferson aponta que a solução para isso, além da massiva pesquisa nos meios Universitários e dentro das Academias Brasileiras de Letras, é a disponibilização gratuita da obra dessas mulheres para que todos tenham acesso.  

Primeira edição do livro A Primavera Voltará. | Acervo pessoal de Luísa Cristina dos Santos Fontes. Foto: Jessica Allana Grossi

Quem foi Emília Dantas Ribas? 

Segundo o livro Vozes de Emília, a professora morava na Chácara Dantas que hoje é a região que fica próximo ao Hotel Vila Velha e próximo ao Parque Margherita Masini. Emília teve 9 irmãos e estudou no Senador Correia. “Percebe-se que já havia nela uma vontade de estudar, uma inclinação natural para isso. Quando saiu o curso Normal aqui na cidade, ela deve ter sido uma das primeiras a se inscrever.” complementa Jefferson.  O pesquisador conta que, assim que começou a ter aulas para se formar professora, também começou a dar aulas a alunos da cidade. Emília foi a primeira Diretora convidada da escola Júlio Teodorico porque ela já abordava o tema da educação em diferentes veículos do Brasil como o Jornal das Moças do Rio de Janeiro e o Diário dos Campos aqui da cidade. 

Sobre sua personalidade, o pesquisador destaca que Emília não tinha medo. “Não tinha medo de se posicionar. Onde havia um espaço, ela estava lá. Foi corajosa e destemida para os padrões da época.”

Emília também casou-se tarde e não teve filhos, contrariando esses padrões de antigamente. Com 39 anos, em 1946, casou-se com Odilon Ribas, ganhando assim o Ribas no sobrenome. A partir deste ano, Emília passou a residir em Curitiba. Trabalhou no Instituto de Educação e, mesmo após se aposentar, continuou promovendo palestras sobre educação, ensino e alfabetização. “E ela só se aposentou porque o marido estava doente e exigia cuidados, mesmo assim, continuou trabalhando.” observa Jefferson. 

Sobre suas obras, os pesquisadores destacam que Emília era cuidadosa, articulada e exemplar. “Tudo o que ela escrevia era muito bem trabalhado. Ela tinha aquela letra de professora, muito bonita e trabalhada.” destaca Jefferson. Já Luísa, destaca a sintaxe perfeita, com uma prosa poética e articulada e o uso do vocabulário rico. “Se você ler ‘A Primavera Voltará’ você vai ver como Emília Dantas Ribas era uma mulher erudita que escrevia algo muito além do seu tempo.” 

Além da vida acadêmica, Emília era extremamente cuidadosa com a própria família.  Os pesquisadores tiveram acesso às dedicatórias de livros que ela escrevia aos familiares e contaram que o material escrito era sempre muito impecável. Emília sempre fazia uma dedicatória única para cada familiar. 

“Ela era o epicentro da família dela. Era ela que guardava as fotos, contava histórias, que ia atrás das coisas”. Para Jefferson, Emília  proporcionava a família  um valor de acolhimento e de boa convivência. Tanto que Emília está presente em dois túmulos, o da Família Dantas e o da Família Ribas. 

A escritora ponta-grossense em Curitiba 

Luísa destaca que foi em Curitiba que Emília alcançou o devido destaque no cenário literário da época.  “Ela já gostava de escrever, já tinha aptidões e lá, principalmente no Instituto de Educação, teve contato com a elite da literatura curitibana. Conheceu Helena Kolody no trabalho e ambas se tornaram amigas. Houve um suporte para o que ela já produzia em Ponta Grossa.” Esse contato com a elite curitibana possibilitou que Emília auxiliasse a fundar a Academia Feminina de Letras do Paraná. 

Emília integrou o Centro Cultural Euclides da Cunha em Ponta Grossa. Em 1950, foi eleita sócia para a Academia de Letras de José de Alencar (ALJA), ocupando a cadeira 16. Em 1951, tornou-se sócia do Centro de Letras do Paraná. Em 1970 e 1971, participou da criação da Academia Feminina de Letras do Paraná e tomou posse em 1974 ocupando a cadeira de número 30, cujo patrona é Judith Silveira. Em Curitiba também participava das atividades do Centro Paranaense Feminino de Cultura.