É preciso morrer para viver?

Após a sua morte, Corina Portugal se tornou a “santa dos ponta-grossenses”

Corina Antonieta Pereira Portugal foi morta aos 20 anos de idade vítima de feminicídio. Em 26 de abril de 2024 a morte de Corina completa 135 anos. Mas vocês sabem quem foi Corina Portugal?

Corina Portugal, era uma jovem nascida no Rio de Janeiro em 1869, casou-se muito nova, entre os 14/15 anos com o médico Alfredo Campos, e desde então a sua vida mudou. Há relatos da mesma, escritos em cartas que ela enviava ao seu pai, que ainda residia no Rio, sobre as ameaças de morte que o marido fazia a ela. Isso foi o que inocentou Corina do crime de adultério, mas a jovem já estava morta.

Corina não viveu muito, na verdade não viveu nada. Aos 20 anos de idade a sua vida foi ceifada pelo seu próprio marido que a acusava de adultério, assim desferindo 32 facadas na jovem. Uma curiosidade é que minutos antes de sua morte Corina estava lendo Machado de Assis e também estava com um rosário em mãos.

A avenida principal e mais famosa em Ponta Grossa, a Avenida Vicente Machado, leva o nome do responsável por ajudar a absolver o assassino de Corina. Para entender a complexidade da história, o casal Corina e Alfredo vieram residir em Ponta Grossa com a ajuda de um médico conhecido como Dr. João Dória. Após matar Corina Portugal, Alfredo Campos alegou que Corina o traía com João, que até então era amigo da família. Isso era uma mentira para justificar o assassinato da sua esposa. Aí entra a figura de Vicente Machado. Vicente Machado era um advogado da elite de Ponta Grossa, tendo desavenças políticas com o Dr. João Dória, viu a oportunidade de se livrar do opositor. Vale ressaltar que adultério na época era sim considerado crime e assim Alfredo foi inocentado do assassinato.

Desde então os Campos Gerais se comoveu com a sua história. O seu túmulo é encontrado no cemitério São José, que fica localizado na região central de Ponta Grossa. O túmulo dificilmente passa despercebido aos olhos de quem frequenta o local. Com muitas placas de agradecimentos, flores e velas, seu local de descanso fica enfeitado. É assim que os devotos da santa popular, não canonizada, agradecem pelas graças alcançadas.

Ponta Grossa sempre está fazendo com que o nome de Corina Portugal seja lembrado, e uma dessas pessoas que ajuda nessa função é Lucélia Clarindo, professora, contadora de histórias e criadora do Bando da Leitura, que não há muito tempo fez acontecer a leitura de 60 capítulos da história de Corina “Além da novela, a leitura dos capítulos deu origem a ação Bando Mulheres que já tem três anos. Lemos todos os 60 capítulos e fizemos muitas reflexões e comparações com as mulheres de hoje que sofreram as mesmas violências que ela.”

O seu primeiro contato com a história de Corina foi por meio de sua irmã, mas o aprofundamento sobre o assunto aconteceu quando Lucélia foi chamada para fazer uma radionovela sobre a vida de Corina Portugal.  “Sempre ouvia falar nela. Minha irmã havia lido o livro, mas conhecer mais a fundo foi quando um radialista da cidade me contratou para fazer uma radionovela sobre a vida dela. Então me inspirei no livro Corina Portugal, história de Sangue e Luz do Dr. Josué Fernandes e outras pesquisas e escrevi a novela que foi ao ar por duas vezes na rádio Difusora”, relata a professora.

O Brasil tem altos índices de feminicídio que assustam. Em 2023, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública foram 1463 vítimas de feminicídio, ultrapassando os dados de 2022. No Paraná a situação também preocupa. Em 2023 o estado registrou 81 casos de feminicídio. Vale ressaltar que a Lei de feminicídio é muito recente, passando a existir somente em 2015.

Corina também é um símbolo do combate a morte de mulheres por serem mulheres nos Campos Gerais sendo ela um dos primeiros casos registrados na região. “Se por um lado temos as questões da fé e da religiosidade precisamos sempre lembrar que Corina foi a primeira vítima de feminicídio cujos dados foram registrados aqui em Ponta Grossa.  Corina sofreu todo tipo de violência .  A psicológica, a financeira, a verbal, física e foi morta brutalmente por seu esposo a quem ela era devota. Ela acreditava que ele iria mudar.  Rezava para que mudasse de vida . Corina está em cada mulher vítima de feminicidio”, finaliza.

Ser mulher é uma luta diária de conquista de espaço, conquista de voz, conquista de respeito e conquista de vida. Que não precisem existir mais Corinas para que as mulheres tenham direito ao mínimo, o respeito.